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Esse ano a Estação Primeira de Mangueira traz à Sapucaí uma oração. Seu samba-enredo é uma forma de rezar e dançar ao mesmo tempo, junta o sagrado e o profano numa mesma narrativa! Já no título do samba-enredo aparece um versículo bíblico: "A Verdade Vos Fará Livre". E a letra, que conta essa "verdade", é como uma oração que puxará a Escola no templo sagrado do samba, na festa profana do Carnaval.
Assim como as faces "cara" e "coroa" de uma moeda, o sagrado e o profano são dois pólos de algo que não se pode separar. Embora opostos e por vezes contraditórios, são indivisíveis, complementares. O carnaval mostra muito bem isso, ele é a festa, o impuro, o profano; mas ele é também o período anterior à "quaresma", o tempo sagrado de purificação à Semana Santa. Não pode existir um sem existir o outro.
No enredo, a Estação Primeira é Nazaré, a terra sagrada, e seu Filho tem rosto negro, sangue índio e corpo de mulher. É um moleque pelintra, menino pobre e maltrapilho, nascido no Buraco Quente, um favelado, como seria Jesus se viesse ao mundo hoje. Filho de uma das tantas jovens mães Marias e dos carpinteiros Josés, desempregados ou precariados pelas perversas relações de emprego, trabalho e garantias sociais.
Hoje, estaria Ele a enxugar o suor de quem desce e sobe ladeira, encharcado de amor que não encontra fronteira. Ouvindo o choro sincopado de quem é silenciado pelo cara fardado. O encontraríamos nas fileiras contra a opressão e no olhar da porta-bandeira pro seu pavilhão. Sofrido e martirizado estaria dependurado em cordéis e corcovados e se perguntando: Mas será que todo povo entendeu o meu recado? Novamente com o corpo cravejado pelos profetas da intolerância, seria posto à Cruz, pois não sabem que esperança é luz que brilha mais que a escuridão.
Senhor, tenha piedade, olhai para a Terra, veja quanta maldade. Sua mensagem seria para todas as periferias, minorias, explorados, trabalhadores. Não permitam que pensem por vocês, ajam por vocês, decidam por vocês, não permitam que os enganem. Descubram os olhos. Diria Ele: "Favela, pega a visão, não tem futuro sem partilha nem Messias de arma na mão! Favela, pega a visão, eu faço fé na minha gente que é semente do seu chão".
Assim, a Mangueira samba porque o samba é uma reza e se alguém por acaso despreza teme a força que ele tem. Muitos não o compreenderão. Irão julgar profano, insano, inventar mil pecados e restará saber de qual dos lados devemos ficar. Do Moleque pelintra de Nazaré, que nasceu de peito aberto, de punho cerrado, que fez da Cruz seu esplendor, guardamos o exemplo. O perdão, a compaixão, a devoção e a vontade de partilhar o pão. Devemos pensar em tudo isso, que é sagrado, mas como tudo tem dois lados, ficar do lado do samba também!